Quase dois anos de pandemia deixaram impactos profundos na educação. Primeiro, as aulas foram integralmente paralisadas. Depois, a migração para o ensino remoto, com diferentes graus de dificuldade em função, principalmente, da condição econômica e tecnológica tanto dos municípios quanto das famílias dos alunos. Finalmente, a retomada gradual do ensino presencial, até a integralidade.

"Sabemos que os efeitos da pandemia na educação são imensos, porém precisávamos mensurar com mais precisão esse impacto. Esse diagnóstico, único no país, permitiu um olhar global para a situação do estado, mas também específico para cada município catarinense. Ele nos trouxe dados que consideramos satisfatórios, como o percentual de alunos que já estão no modelo 100% presencial (mais de 90%), mas também indicadores que acendem o sinal de alerta e demandam correções para garantir uma educação de qualidade para todas as crianças e adolescentes", considera o Coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CIJ) do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), Promotor de Justiça João Luiz de Carvalho Botega.

As principais sequelas da pandemia na educação pública foram investigadas pelo "Diagnóstico dos impactos da pandemia no abandono e evasão escolar nos municípios catarinenses", uma pesquisa produzida pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação de Santa Catarina (UNDIME), pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE), pelo Ministério Público de Contas (MPC) e pelo MPSC.

O formulário tinha quatro eixos principais de pesquisa: evasão e abandono escolar; retorno às aulas 100% presenciais; avaliação diagnóstica e recuperação da aprendizagem; e programas educacionais desenvolvidos no município. Ele foi enviado pelo TCE diretamente aos municípios, que responderam às questões até o dia 30 de outubro.

Agora, compiladas as respostas, as informações foram encaminhadas pelo CIJ às Promotorias de Justiça da área da infância e juventude das comarcas que possuem municípios nos quais foram encontrados problemas, a fim de verificar se persistem e, assim, subsidiar a atuação do Ministério Público com a finalidade de corrigir as possíveis situações irregulares.

O foco do Ministério Público, neste momento, é em relação aos municípios que possuem alguma escola sem o retorno às atividades 100% presenciais, que não realizaram avaliação diagnóstica de deficiências na aprendizagem dos alunos - ou a fizeram de forma incompleta, por amostragem - e que não estão executando programas para recuperação de aprendizagem.

Ensino presencial

O Coordenador do CIJ considera que, diante do estágio normativo em que nos encontramos, bem como da cobertura vacinal e das amarras dos planos de contingência escolares para prevenir e combater incidentes, não é mais admissível que haja escolas totalmente fechadas.

Especificamente quanto às normas em vigor, o Decreto n. 1.408/2021 e a Portaria Conjunta SES/SED/DCSC n. 1.967/2021, elas dispõem sobre o retorno às atividades presenciais de forma permanente, inclusive para os integrantes de grupo de risco, desde que imunizados, e obrigatoriedade de imunização dos docentes e diminuição de distanciamento.

"Portanto, não existem mais motivos para a manutenção de escolas exclusivamente no ensino remoto, ainda que haja dificuldades operacionais, problemas estruturais ou de recursos humanos, uma vez que já houve tempo suficiente para a correção dessas situações. Embora sejam apenas 24 das mais de seis mil escolas municipais de Santa Catarina, o que corresponde a 0,4% do total, precisamos identificar os motivos que justificaram a suspensão das aulas presencias nessas unidades e garantir a reabertura, o mais rapidamente possível, de todas elas", completa Botega.

Avaliação diagnóstica de deficiência de aprendizagem

A realização de avaliação diagnóstica pelos municípios é fundamental para aferir os prejuízos circunstanciais da pandemia ocasionados à aprendizagem das crianças e adolescentes matriculados na rede pública municipal e deve ser entendida como obrigação legal do Município, conforme orientam a Resolução n. 2/2020 do Colegiado Pleno do Conselho Nacional de Educação e o Enunciado n. 04/2021 da Comissão Permanente da Educação (COPEDUC), vinculada ao Grupo Nacional de Direitos Humanos do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais.

"Apenas por meio da avaliação diagnóstica de cada estudante será possível planejar ações para reparação e compensação dos prejuízos educacionais causados pela pandemia, tanto para cada indivíduo como para toda a política de educação do município, pois, sem saber quantos afetados e a gravidade dos danos impostos a cada aluno, é impossível determinar uma recuperação adequada e garantir direitos educacionais plenos às crianças e adolescentes residentes no município", afirma Botega.

No entanto, apenas realizar a avaliação de todos os alunos não é suficiente. É necessária a consequente recuperação das lacunas de aprendizagem identificadas.

"Ao realizar o diagnóstico de todos os estudantes, mas sem aproveitá-lo para construir um programa de recuperação da aprendizagem, o gestor perde uma oportunidade valiosa de resguardar direitos educacionais justamente em uma das últimas etapas da compensação dos prejuízos causados aos estudantes na pandemia, pois o retorno presencial e a avaliação diagnóstica não terão o efeito esperado para a superação das dificuldades de cada aluno", explica o Coordenador do CIJ.

Diante dos resultados aferidos, foram encaminhadas cinco circulares às Promotorias de Justiça, cada uma com a especificidade do problema e a relação dos municípios com irregularidade:

  • Município que ainda possuem escolas que estão funcionando na modalidade integralmente remota: 11 municípios.
  • Municípios que não realizaram a avaliação diagnóstica: 18 municípios.
  • Municípios que, apesar de terem declarado que não realizaram avaliação diagnóstica nos alunos, afirmaram que executam programa de recuperação da aprendizagem: 22 municípios.
  • Municípios que realizaram avaliação diagnóstica incompleta (por amostragem) de seus alunos, deixando de investigar os reais prejuízos educacionais causados pelo ensino remoto de todos os seus estudantes: 53 municípios.
  • Municípios que, apesar de terem declarado que realizaram avaliação diagnóstica de seus alunos, afirmaram que não elaboraram ou não executam programa de recuperação da aprendizagem: 24 municípios.

Com base nas informações, os Promotores de Justiça poderão aprofundar a apuração, verificando se a situação persiste e, assim, tomar as medidas que entendam necessárias, como a emissão de recomendação aos gestores municipais para a resolução do problema.

"Santa Catarina foi referência no retorno seguro das aulas presenciais, num trabalho coordenado estadualmente e construído a muitas mãos. Precisamos agora dar o passo seguinte, num esforço conjunto e concentrado, para assegurar que nenhum aluno fique para trás: precisamos buscar cada estudante e assegurar que ele esteja na escola todos os dias e possa aprender tudo o que tem direito. Esse é o compromisso do MPSC com as crianças e adolescentes e com toda a sociedade catarinense", finaliza Botega.