O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) obteve medida liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade para suspender os efeitos de artigo da Lei Estadual n. 9.748/1994. O dispositivo contestado dispensa a outorga dos usos de recursos hídricos de águas superficiais e subterrâneas, por captação ou derivação, para a satisfação das necessidades das pequenas propriedades rurais, independente de vazão ou consumo.
A ação foi ajuizada pelo Centro de Apoio Operacional do Controle da Constitucionalidade (CECCON) do MPSC, após estudo da legislação realizado a pedido da 22ª Promotoria de Justiça da Capital - com atuação na área do meio ambiente -, que havia instaurado inquérito civil para apurar a possível ilegalidade da norma.
O inquérito civil da 22ª Promotoria de Justiça foi aberto a partir de um Manifesto Público pela revogação da Lei n. 18.073, de 15 de janeiro de 2021, e do art. 3º, da Lei n. 18.174, de 2 de agosto de 2021, elaborado pela Regional de Santa Catarina da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, encaminhado pelo Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (CME) do MPSC.
A outorga é a autorização do poder público que dá o direito de uso dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, por prazo determinado, nos termos e nas condições expressas no respectivo ato administrativo. A outorga permite ao poder público o gerenciamento dos recursos hídricos, pois possibilita o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água.
De acordo com o manifesto, a dispensa da outorga de direitos de uso de recursos hídricos aos pequenos proprietários, independente da vazão ou consumo, prevista nas Leis Estaduais citadas, prejudica todos os usuários de recursos hídricos, sejam os dispensados ou outorgados, em relação à disponibilidade hídrica.
Durante a apuração realizada em inquérito civil, o titular da 22ª Promotoria de Justiça da Capital, Dr. Felipe Martins de Azevedo, obteve a cópia do processo legislativo que culminou na edição da lei estadual questionada, onde consta uma série de pareceres - inclusive da Procuradoria-Geral do Estado, do Instituto do Meio Ambiente e de secretarias estaduais - todos com posicionamento contrário à aprovação da norma, diante de sua possível inconstitucionalidade, o que motivou o encaminhamento da matéria para estudo pelo Centro de Controle de Constitucionalidade do MPSC (CECCON).
Ao estudar a legislação, o CECCON concluiu que seria inconstitucional o artigo 5º e seu parágrafo único, da Lei Estadual n. 9.748/1994, com redação dada pela Lei Estadual n. 18.174/2021, e ingressou com a ação direta de inconstitucionalidade com o pedido liminar.
Segundo o CECCON, o Estado de Santa Catarina usurpou a competência administrativa exclusiva da União para dispor sobre critérios de dispensa de outorga de direito de uso de recursos hídricos, violando o disposto no artigo 21, inciso XIX, da Constituição da República, incorporado pelo artigo 4º, caput, da Constituição Estadual. Além disso, a norma contraria frontalmente a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei Federal n. 9.433/1997).
Na ação, o CECCON sustenta que ao dispensar genericamente a outorga para o uso de recursos hídricos de propriedades rurais, independentemente de vazão ou consumo, a norma estadual apresenta critério - o que nem poderia fazer - diferente do estabelecido na legislação federal. A lei federal não fala em propriedades rurais, como faz a norma estadual, mas apenas em núcleos populacionais distribuídos no meio rural, o que são coisas diferentes.
No caso, a norma estadual permite a dispensa da outorga independentemente de vazão ou consumo, quando a lei federal só autoriza captações e derivações consideradas insignificantes. Logo, uma propriedade rural, mesmo de pequeno porte, pode consumir uma grande quantidade de água com cultivo de arroz, por exemplo, e ainda assim não estará obrigada, nos termos da norma estadual, a obter a outorga, o que contraria a norma de âmbito federal e compromete o gerenciamento da disponibilidade dos recursos hídricos pelo poder público.
Diante dos argumentos sustentados pelo Ministério Público, o Desembargador Jorge Luiz de Borba concedeu a medida liminar, suspendendo os efeitos da norma até o julgamento do mérito da ação direta de inconstitucionalidade. (ADI n. 5071218-91.2022.8.24.0000).
Com o ajuizamento da ação pelo CECCON e a concessão da medida liminar, o inquérito civil da 22ª Promotoria de Justiça da Capital foi arquivado.