21 DE SETEMBRO: DIA DA LUTA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Para marcar a data (21/09), o MPSC traz relatos de dois integrantes da Instituição, com o intuito de sensibilizar a sociedade para os desafios, as histórias e as conquistas das pessoas com deficiência.
Vidas marcadas pela superação e pela busca da independência. Assim se resume as histórias de Maria Terezinha Richartz, 54 anos, servidora pública e Gustavo Paes Amorim, 28 anos, Jornalista e Aprendiz, ambos atuando no Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). Para marcar o dia Nacional da luta da Pessoa com Deficiência eles relatam nesta reportagem, os desafios e as conquistas do dia a dia.
O papel do MPSC é fiscalizar e garantir os direitos das pessoas com deficiência de acordo com a Constituição. Em 2015, foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). A lei é destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
Mesmo amparados pela lei, Maria Terezinha e Gustavo vivem lutas e superações pessoais diárias para estarem inseridos na sociedade. Acompanhe os relatos.
"Se eu pudesse deixar uma lição, seria: seja você, autêntica. Vá atrás do seu objetivo, batalhe por ele. Pessoas com deficiência têm suas barreiras, mas quem é dito "normal" tem também. "
"E eu sei que é difícil, porque a família protege muito, tem medo, mas você tem que ir atrás, sair de casa, fazer tudo o que os outros fazem. Tem que ser o primeiro, se for preciso."
Tudo indica que eu seja uma vítima da talidomida, uma droga muito usada entre 1957 e 1963, o ano em que nasci. Era proibida desde 1960. No resto do mundo, ninguém mais usava, mas o Brasil continuava. Ela afetou os membros superiores das crianças de mães que estavam grávidas naquela época. Minha mãe me falou que foi um remédio contra enjoo que ela tomou na gravidez. Nós éramos do interior e minha mãe foi tratada aqui na capital. Não tínhamos mais receita, porque essas coisas sempre são jogadas fora, mas o histórico sempre me levou a crer que eu seja vítima da talidomida.
Na minha família, houve momentos bem contraditórios. Momentos de muita aceitação; outra hora, momentos de tristeza. Minha mãe queria tanto ter um bebê que fez tratamento para engravidar. Sou a primeira de nove filhos fisicamente perfeitos.
Como nasci em casa, houve um espanto no meu parto. Minha mãe perguntou:
"O que é que foi?"
E a parteira disse:
"Não, não é nada, ela veio com um probleminha."
Minha mãe:
"Não, não é isso que estou perguntando. Quero saber se é menino ou menina."
Meu pai chorava muito e minha avó também. Foi aí que a parteira falou para minha mãe que eu só tinha um braço. Ela pediu para ver. A mãe conta que olhou para mim e disse:
"Ah, isso não é nada, ela é tão bonitinha."
Logo vieram os outros bebês - eu nasci em 1963; em 1964, já veio outra irmã; em agosto de 1965, veio outra... Era tudo junto, mas a mãe nunca me negligenciou. Sempre me tratou como igual, não fazia nada diferente para mim do que fazia para minhas irmãs.
A Talidomida é um medicamento perigoso, responsável pela deformação de fetos. A droga foi desenvolvida em um laboratório alemão e lançada no mercado consumidor no final da década de 50. Considerada como calmante e ansiolítico, a Talidomida foi largamente usada por gestantes para controlar as constantes náuseas e a tensão, típicas dos primeiros meses de gravidez. Ao longo dos anos 60, muitos bebês nasceram deformados, sem braços ou pernas, com deficiências na estrutura vertebral, cegos ou surdos.
No interior, na maior parte do tempo, comia-se de colher. Mas ela fazia questão de que comêssemos com todos os talheres na mesa porque eu tinha que aprender. Se caísse no chão, ela dizia: "Não tem problema". Também comprava sapatos pra gente, e o que tinha mais fivelas e botões era o meu, para que eu aprendesse.
No tempo em que comecei a andar e engatinhar, ela pegava uma fralda, colocava uma batata, uma laranja - o que fosse para equilibrar meu peso -, amarrava no meu braço para que eu não caísse. Quando comecei a andar, eu caía muito, então tinha medo.
Meu pai conta que, às vezes, ele ia à igreja e me levava no colo. E as pessoas perguntavam se ele não tinha vergonha de sair comigo. Ele dizia que aquilo magoava muito. Mas aí ele saía e comprava uma fazenda de tecido, o mais bonito que encontrasse, para minha mãe fazer um vestido para mim e, no outro domingo, me levava para a igreja de novo.
Na infância, não tinha creche, a gente ia direto pro primeiro ano. Eu fui pra escola logo antes de completar seis anos. O que eu lembro é de os guris me chamarem de pitoca...
Com os vizinhos, a brincadeira sempre era um desafio. Em um domingo, convidavam para nadar e eu não sabia. Daí a mãe me ensinava, ia para o rio comigo. No outro, não era mais nadar, era andar de bicicleta. Então desafios nunca me faltaram. E ela sempre do meu lado, me ajudando. Hoje sou assim porque meu pai e minha mãe me fizeram assim.
Quando chegou a época de ir para o ensino médio, eu passei no teste de admissão do Instituto Estadual de Educação. Meu pai arrumou casa pra eu ficar, morando com meus tios, e assim fui levando minha independência.
Minha mãe perguntou, seis meses depois de eu vir morar sozinha, como tinha sido esse período. Expliquei que não precisei pedir para ninguém fazer as coisas para mim. E ela disse: "Isso é tudo pra você entender por que eu fazia você lavar suas roupas, fazer suas coisas. Pra você não precisar depender de ninguém."
Ali eu cuidava dos meus primos, fazia serviços da casa. Até que saí da casa dos meus tios e fui morar com uma senhora, era sua dama de companhia e ao mesmo tempo comecei a fazer estágio em um banco. O preconceito estava naquela olhada que eu recebia na rua, nas piadas muito grosseiras dos homens quando cheguei aos 17, 18 anos. Ficavam olhando de um jeito abusivo. Em algumas épocas, eu respondia à altura. Em outras, comecei a relevar, dizendo que não era importante. O importante era eu.
Depois, conheci meu marido. Ali o preconceito também era dos outros. Porque eu era branca, mas tinha só um braço, e ele era negro. No nosso relacionamento, o preconceito acontecia quando andávamos na rua e ouvíamos piadas. Estamos juntos há 34 anos e um completa o outro. Enfrentamos uma barra por causa do nosso filho, que nasceu com paralisia cerebral.
No meu primeiro emprego, fui empacotadora de uma livraria. Então passei no vestibular para Administração. Trabalhei como monitora em sala de aula, fiz estágios, e, em 1985, prestei concurso para o Banco do Estado de Santa Catarina (BESC). Fiquei lá por 17 anos. No banco, fiz carreira como escriturária, como chefe de serviço, caixa e, depois, como gerente de contas. Foi onde encontrei mais preconceitos.
Assim que entrei no banco, o gerente não conseguiu trabalhar comigo. Ele me colocou para trabalhar no almoxarifado, para não ficar à vista de ninguém. Os funcionários foram denunciar no RH, e então ele pediu para sair da agência. Nunca me senti ofendida porque ele nunca me tratou mal. Ele disse simplesmente: "Eu não consigo. Se vocês puderem me colocar em outro lugar..."
Capacidade eu tinha, só que muitas vezes a barreira estava ali. Uns com os preconceitos mais declarados; outros, com a coisa mais velada. Quando pequena, meu avô me dizia que o que Deus tinha tirado do meu braço, tinha colocado na minha cabeça. Que era pra eu ter isso em mente. Eu focava muito no que ele dizia.
Um dia, num posto de serviço do BESC na Universidade Federal de Santa Catarina, uma senhora se recusou a ser atendida por mim. Disse que não se sentia bem, que era para chamar o gerente. Ele disse: "Se a senhora não quer ser atendida por ela, tudo bem. Mas vai voltar para o fim da fila e, se novamente cair com ela, a senhora volta para o fim da fila de novo, até dar sorte de que outro caixa lhe atenda." Ele me defendeu de tal maneira, mas me senti mal porque estava dentro de uma unidade formadora de opinião, e [a mulher] era uma professora universitária.
Até 2002, trabalhei no BESC. Em outubro do mesmo ano, entrei em uma loja de departamento como analista de crédito. Mas, na véspera da inauguração, por uma fatalidade, bati no corrimão da entrada da loja e tive um deslocamento, quebrei o braço. Quando voltei a trabalhar, fui para a área de Recursos Humanos e no ano seguinte promovida a gerente de uma das filiais.
Em 2007, comecei a trabalhar no MPSC, e agora em outubro faço dez anos aqui na Casa. Comecei no setor de transportes, fui muito bem acolhida pela gerente da época e pelos motoristas. Depois passei para a secretaria.De manhã, levanto, faço café - nos dias em que não tenho aula de Libras - e adianto o almoço. Depois começo a me arrumar para vir trabalhar. Muitas vezes, tem que dar uma passadinha na roupa, mas isso eu consigo fazer. Lavar, passar, cozinhar, limpar minha casa, faço tudo.
Em 1981, ganhei um braço mecânico do Estado, mas com medidas diferentes. Quando eu puxava para cima, ele machucava. Se tirassem a forma com ele puxado para cima, para ter movimento, a prótese caía ao baixar. Para poder usar o braço, eu teria que amputar parte do cotovelo. Preferi não usar. Eu já tinha 18 anos, com minha identidade formada.
As pessoas diziam: "Tem que usar manga comprida." Minha mãe costurava para nós, e eu dizia: "Mãe, não faz uma manga mais comprida que a outra não. Quero as duas do mesmo tamanho." Vou usar aquilo com que eu estiver me sentindo bem. Vou mudar porque o outro vai olhar? Não.
Algumas coisas são difíceis. Hoje, é tudo mais ergonômico, mas mesmo assim. Coloco meu computador em cima de duas revistas. Realmente tem coisas que preciso fazer mais lentamente que os outros.A burocracia é outra dificuldade. Por exemplo, se pegar um atestado médico do SUS, o Departamento de Transportes e Terminais (DETER) fornece uma carteirinha de ônibus que dá passe livre em todo o território brasileiro (nos bancos antes da catraca). Com essa carteirinha, algumas empresas fornecem outra, para que, se o ônibus estiver cheio, a pessoa com deficiência possa passar a catraca. Mas, dentro da ilha, essa outra carteirinha não vale porque não há integração.
É preciso ir a outro médico, todo ano passar por uma perícia, para mostrar que meu braço não cresceu ainda. E ir ao Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros da Grande Florianópolis (SETUF) fazer outra carteirinha, para usar só nos ônibus daqui. Então aqui eu pago passagem, porque é muito burocrático fazer isso. Pego ônibus para Antônio Carlos, para Pinheira. Mas não posso vir para o Ministério Público. Dali do Terminal de Integração do Centro (TICEN) para cá, eu pago minha passagem.
Se eu pudesse deixar uma lição, seria: seja você, autêntica. Vá atrás do seu objetivo, batalhe por ele. Pessoas com deficiência têm suas barreiras, mas quem é dito "normal" tem também. Uma coisa que me orgulha muito é ver meu pai e minha mãe contentes comigo. Um dia, eu ainda trabalhava no banco, meu pai me apresentou para uma pessoa e disse: "Essa é minha filha, ela é gerente de banco." Eu senti o orgulho que ele tinha por eu ter conseguido fazer coisas na minha vida, por não ter precisado pedir aos outros. E fiquei muito feliz de ver que ele tinha orgulho de mim, do que me tornei.
Com menos de um mês de vida, tive um AVC e passei um bom tempo no hospital até me recuperar. Mais ou menos quando eu tinha cinco anos, minha mãe começou a perceber que eu estava assistindo à TV muito perto. Ela me levou ao médico, que diagnosticou meu problema, retinose pigmentar (é uma doença que as células que detectam as cores vão "morrendo").
Alguns médicos falam que foi em decorrência do AVC; outros, que é um cromossomo defeituoso. Logicamente, dos cinco anos até aqui... Quanto mais vou envelhecendo, mais vou perdendo. Mas falam que não vai chegar à cegueira total. Eu tenho de 10 a 15% da visão, e isso ajuda bastante.
Estudei no ensino regular e particular, nunca frequentei nenhuma associação de cegos. Só fui frequentar uma em 2014, em Recife, e em 2015 aqui em Florianópolis. Isso era muito difícil, eu não conhecia ninguém deficiente e acabava não me aceitando. Então cheguei a ter depressão, pensamentos suicidas, embora nunca tenha tentado. Ao mesmo tempo eu sempre tinha amigos, saía para me divertir e, minha família sempre me aceitou como pessoa com deficiência.
Quanto à depressão, fui diagnosticado lá pela 8ª série, com uns 14 anos. Fui a psicólogos, psiquiatras e comecei a participar de grupo de igreja. Isso, e o apoio da minha família, ajudou bastante, mas não era o suficiente. Meus pais davam exemplos de pessoas que tinham deficiência e eram grandes homens, grandes mulheres. Que conseguiam alcançar seus objetivos. Falavam de pessoas que estavam em casos piores e que mesmo assim foram longe. Davam exemplos de atletas com deficiência, algum artista.
Com esse problema em me aceitar, na escola, sempre era uma dificuldade para falar para o professor que eu tinha deficiência. Às vezes, ele não entendia o fato de eu enxergar algumas coisas e não enxergar outras. Mas meus amigos ditavam para mim, eu tirava cópias do que eles escreviam. Eu estudava de manhã no colégio e, à tarde, tinha um professor particular. Aprendi mais com o professor particular do que com a escola porque ele me dava mais atenção. Os professores não entendiam muito sobre deficiência, então era difícil a relação. E até mesmo os alunos. Apesar de me ajudarem, toda hora eu tinha que ficar explicando o que eu tinha. Esse explicar, esse falar era uma coisa muito difícil.
Depois disso, me formei no colégio e cursei Jornalismo em uma faculdade particular de Maceió. A depressão foi até a primeira ou segunda fase do curso. Eu tinha meus amigos, saía com eles, mas não tanto como minha irmã, por exemplo. Eu a via sair pra várias festas e eu ficava em casa. Era bem ruim. Eu a via namorar e não tive isso até chegar a Florianópolis. Era difícil entender, saber que ela era de um jeito e eu era de outro.
Na faculdade, as pessoas também ditavam para mim, me ajudavam, continuava quase tudo do mesmo jeito. Meu pai conseguiu comprar uma lupa eletrônica, que se acoplava na TV e aumentava a letra, então ajudou bastante. A situação financeira da minha família era boa. Eu tinha motorista, tive suporte nesse sentido. E, graças a isso, eles puderam pagar, além de um colégio particular, um professor particular para mim. Sem isso, ainda seria possível, mas, com certeza, mais difícil.
Depois que me formei, em 2010, entrei no site em que trabalho até hoje, o Alagoas 24 Horas, onde tenho um blog sobre futebol.
Em 2014, meu pai passou por um problema pessoal, e fomos morar em Recife. Foi aí que conheci a Associação de Cegos, meu primeiro contato com esse tipo de instituição. As pessoas lá eram simples, mas muito queridas. Sou amigo deles até hoje. Compartilhávamos nossos problemas. Eles me apresentaram o esporte que jogo há três anos, o Goalbol.
Este esporte surgiu com o objetivo de integrar melhor as pessoas com falta de visão, especialmente os soldados que tinham voltado sem visão da 2ª Guerra Mundial. O goalball foi desenvolvido em 1946 pelo austríaco Hanz Lorenzen e o alemão Sep Reindle, no qual o jogo consistia em lançar uma bola pelo chão e marcar um gol na baliza adversária.
No Goalbol, dois times, cada um com três pessoas vendadas, têm que arremessar uma bola na trave adversária em dez segundos. A bola, parecida com a de basquete, tem um guizo que serve para orientar os jogadores pelo som.
Em Recife, comecei a pegar ônibus, algo que nunca tinha feito. Tive meu primeiro contato com a bengala aos 25 anos, que foi também uma vergonha, um medo do que as pessoas iam pensar, do que minha família ia falar.
Foi a partir do convívio com outras pessoas com a mesma deficiência que a minha que aprendi a ser independente. Lógico que a minha família tem muito medo. Mesmo eu usando a bengala e fazendo tudo.
Em agosto de 2014, vim para Florianópolis. Aqui tem uma das melhores Associações de Cegos do Brasil. Outros locais com associação referências são estão no Rio de Janeiro e em São Paulo. Como Florianópolis é uma Capital um pouco menor e mais tranquila, meus pais disseram: "É para lá que você vai."
A Associação tinha um alojamento, mas funcionava só de segunda a sexta. No final de semana, eu tinha que ir para algum lugar. Meu pai teria condições de alugar uma casa para mim, mas não a segurança de me deixar só. Aí surgiu a pessoa com quem moro hoje, a Bia. Ela era assistente social aposentada dessa associação e me acolheu. Mas eu nunca a tinha visto na vida, e nem a família dela. Foi tipo um intercâmbio. Entramos em contato lá de Recife e ela topou a ideia.
Quando cheguei aqui, não usava muito a bengala, só tinha tido contato com ela. E aqui efetivamente, aprendi a andar de bengala, cozinhar, lavar roupa, varrer, fazer todas as coisas que uma pessoa faz. Foi muito bom para minha independência. Foram dois anos morando na associação.
Conheci uma menina na Associação e logo se tornou minha namorada. Ela era de Blumenau, e, em alguns finais de semana, eu ia para lá com ela. Ela faleceu quando eu já estava estruturado, pensando em noivar e casar. Por um problema de saúde, complicações de Diabetes. Ela chegou a fazer transplante, mas o corpo não se adaptou. Foi bem impactante pra minha vida e para meu desenvolvimento.
O amor que eu tinha por ela era muito grande. Quando chegavam os finais de semana, para mim, era o mais difícil. Além da minha namorada, tinha a família dela, os amigos. Então era sempre alguma coisa para fazer. E, a partir daí, tive que passar meus finais de semana só.
O apoio da minha família nesse momento foi grande. Eles a conheceram quando ela foi visitar minha cidade. Eu fui pra Maceió quando ela faleceu, fiquei um mês e depois resolvi voltar para Florianópolis. Minha família foi resistente, não queria que voltasse porque achava que eu ia sofrer muito. Realmente sofri, mas escolhi vir.
Eu já tinha me habilitado em todas as tarefas da Associação Catarinense para Integração do Cego (ACIC) e teria que voltar para Maceió porque não tinha mais atividades para mim. Ficaria aqui sem fazer nada, pensando na minha namorada, então teria até o risco de voltar à depressão. Foi então que surgiu mais um momento de superação: E, em um mês, surgiu a oportunidade de trabalho em um Programa do Ministério Público de Santa Catarina.
O Programa Aprendiz foi desenvolvido por um Grupo de Trabalho Intersetorial, com o objetivo de criar oportunidades para os que estão em situação vulnerável e contribuir para seu desenvolvimento social e profissional, além de estimular a permanência no ensino obrigatório. A seleção dos jovens foi feita pelo CIEE, com apoio do Centro de Referência Especializado de Assistência Social de Florianópolis (CREAS) e entidades de acolhimento do Município de Florianópolis, dentro dos critérios estabelecidos pelo MPSC. Das vagas disponíveis 80% delas foram prioritariamente destinadas a adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida ou em entidade de acolhimento institucional. Os outros 20% das vagas são destinadas a pessoas com deficiência, sem limitação de idade.
No MPSC aprendi a ler mais, a escrever melhor meus textos, apesar de saber que ainda tenho que melhorar. Aprendi que sou uma pessoa capaz de trabalhar, de fazer o que quero. É muito gratificante, para mim, falar que trabalho. Estar com jornalistas é uma experiência muito importante. No primeiro dia, deu um frio na barriga, mas as pessoas me receberam muito bem. Ofereceram ajuda com o computador, com a luz. Teve todo um cuidado, um carinho. Essa experiência me ensinou a não ter vergonha de mim mesmo, a ser mais eu.
Estou aprendendo assuntos relacionados ao Jornalismo e ao Direito. Quando fui para Maceió, nas férias, visitei uma vereadora e procurei saber sobre os direitos das pessoas com deficiência de lá. Falei de leis daqui, ela gostou muito, me chamou até para trabalhar lá. Mas acho que não é hora. Ainda tenho que morar sozinho aqui, esse é o desafio que falta, é o que eu busco. Porque assim vou me sentir totalmente independente.
Andar durante o dia é uma dificuldade, ainda são muitas barreiras. Você tem que ir com coragem. Algumas semanas atrás, tinha um caminhão na calçada, e eu não vi e bati. No outro dia, passei pelo mesmo local, mas tive que tomar coragem e ir. Então essa é a maior dificuldade, o dia a dia na rua, de os carros respeitarem, de as pessoas ajudarem em alguns momentos, como atravessar a rua e de ir aos lugares.
Aqui tem pouco piso-guia, lá em Maceió praticamente nenhum. Mas, pra mim, a maior dificuldade são as diferenças entre uma calçada e outra, que chega a um metro de desnível. Falta bastante acessibilidade em todo o Brasil. E como antes tinha pouquíssimas pessoas com deficiência no mercado de trabalho, as outras pessoas não olhavam. E eu acho que, de uns 15 anos pra cá, a gente começou a trabalhar, a estudar, a buscar ter uma vida mais social e independente. Então os governantes começaram a ficar atento um pouquinho em relação a isso.
Na próxima semana vou para Maceió receber a Comenda Gerônimo Ciqueira, um prêmio dado a pessoas com deficiência que alcançaram sua independência. Quando fui à casa da vereadora entender mais sobre as leis, ela comentou sobre isso, disse que ia me indicar. É uma alegria, não deixa de ser uma conquista de tudo isso - que inclui a Bia, Florianópolis, a ACIC e o MPSC.
Em minha rotina, estudo português para melhorar meus textos, e contratei uma professora particular. Durante a semana, vou duas vezes à Biblioteca da UFSC. Tudo isso de ônibus e sozinho. Estudo inglês à noite, duas vezes por semana. Tem um dia em que cuido das minhas coisas, lavo minhas roupas. Ainda jogo GoalBol na UFSC, participo de um coral na associação, faço Pilates. Lavo prato todo dia, arrumo a mesa, arrumo minha cama, limpo meu quarto, ajudo a senhora com quem moro.
Para escolher minhas roupas, no começo a Bia me ajudava. Mas a família da minha namorada tinha uma loja e me dava roupas. De 2016 pra cá, sou eu que vou à loja, que escolho. Lógico, peço ajuda à vendedora. Não consigo saber a cor da roupa, então ela tem que falar. A mesma coisa com o cartão de crédito. Não tem como ver, tem que acreditar na boa-fé das pessoas.
Mas nunca aconteceu de me passarem a perna. Algumas vezes, se a pessoa me atende sem paciência, eu já não volto àquele lugar. Sou uma pessoa comunicativa, o que é uma grande ajuda.
Para a minha deficiência, ainda não foi encontrada um alternativa. Existem estudos, pesquisas relacionadas a células-tronco. Uma vez a cada três anos, vou a Brasília, o médico de lá tem todo o meu histórico e vai acompanhando. Quando eu era criança, tomava vitamina A, tomava vacinas, mas nunca adiantou. Ele diz que as células-tronco não vão demorar muito a serem usadas. Acredito que vai ser uma nova experiência. Por exemplo, eu me lembro de algumas cores, mas não de outras, como a cor do mar. Nunca vi um arco-íris. Tenho um olhar, mas é diferente do considerado normal. Então não sei como vai ser, mas com certeza, uma nova adaptação.
Se eu pudesse falar para todas as outras pessoas com deficiência, eu diria para ir atrás dos sonhos e da sua independência. E eu sei que é difícil, porque a família protege muito, tem medo, mas você tem que ir atrás, sair de casa, fazer tudo o que os outros fazem. Tem que ser o primeiro, se for preciso. Porque, quando conseguimos, é uma alegria muito grande. Toda sexta-feira, eu me sinto feliz de ter feito uma semana de trabalho. É muito bom fazer as coisas sem depender de ninguém.
A Coordenadora-Adjunta do Centro de Apoio dos Direitos Humanos e Terceiro Setor, Promotora de Justiça Ariadne Clarissa Klein, explica que o MPSC elegeu como iniciativa prioritária em seu planejamento estratégico a garantia do acesso da pessoa com deficiência aos espaços públicos e privados de uso coletivo.
Com esse objetivo, o MPSC criou o Grupo SC Acessível, destinado ao intercâmbio e cooperação técnica, científica e operacional entre o MPSC e outras instituições públicas - Tribunal de Contas do Estado, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC), Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo, Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Federação dos Municípios Catarinenses, União dos Vereadores de Santa Catarina e Fundação Catarinense de Educação Especial.
Para isso, foram adotadas duas estratégias: evitar novas edificações que desrespeitem normas técnicas de acessibilidade, com fomento ao poder de polícia dos municípios, e progressivamente buscar a adaptação de edificações já construídas.
Ao longo do ano de 2017, os integrantes do Grupo SC Acessível estão realizando vistorias conjuntas para verificar o atendimento aos requisitos de acessibilidade nos municípios de Biguaçu, Palhoça, São José, Florianópolis, Itajaí, São Joaquim, Rio Negrinho, São Lourenço do Oeste, Navegantes, Lages, Tubarão, Laguna, Imbituba, Araranguá e Jaguaruna.
A capacitação dos profissionais de órgãos públicos também é uma preocupação da instituição. O MPSC já ministrou um curso de ensino a distância para 180 engenheiros, arquitetos e técnicos em edificações que trabalham em Prefeituras. O objetivo foi orientá-los quanto à análise e aprovação de projetos arquitetônicos de acordo com as normas de acessibilidade. Outras turmas serão lançadas neste ano e em 2018 para alcançar profissionais de todos os municípios catarinenses.
Como órgão público, o MPSC também trabalha para adequar suas edificações aos requisitos de acessibilidade. Algumas das ações internas foram:
Quanto às adversidades que as pessoas com deficiência enfrentam no dia a dia, o MPSC detectou falta de acessibilidade em edificações públicas e privadas, inexistência de acessibilidade comunicacional no atendimento de pessoas com deficiência auditiva e visual, além de barreiras ao acesso da pessoa com deficiência aos serviços educacionais especializados.
A Promotora de Justiça acredita que o principal desafio ainda passa pela conscientização da população de que a pessoa com deficiência deve ser respeitada como parte da diversidade humana. "Cabe à sociedade eliminar suas barreiras físicas e de atitude para possibilitar a convivência da pessoa com deficiência em sociedade, garantindo seu acesso aos serviços de saúde, educação, transporte, lazer, cultura, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas".