Luis
Adriano de M. Cabral Domingues, engenheiro, possui Mestrado em Engenharia Elétrica pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). É, ainda,
pesquisador do Departamento de Linhas e Estações (DLE) do Centro de
Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL) da Eletrobrás, considerado o
maior centro de pesquisas em energia elétrica do Hemisfério Sul.
COMSO - Na sua opinião a Lei federal n. 11.934,
de 5 de maio de 2009, é suficiente para regulamentar os limites de
exposição à Radiação Não Ionizante (RNI) produzida por estações
de rádio, televisão, telefones celulares, micro-ondas, controle
remoto, entre outros? Por quê?
Luís Adriano M. C.
Domingues - No que se refere à
proteção da saúde das pessoas, para exposição a campos
eletromagnéticos, considero que a Lei 11.934 é sim suficiente e
adequada para regulamentar os limites de exposição.
Em
primeiro lugar a elaboração dessa Lei teve uma maturação
prolongada - cerca de dez anos - quando foi discutida com
representantes de diversos setores como Saúde, Ciência e
Tecnologia, Justiça, Energia, Telecomunicações e outros. A
Comissão Nacional de Bioeletromagnetismo, coordenada pela Casa
Civil, tinha representantes de nove Ministérios envolvidos com o
assunto. Além disso a tramitação do Projeto de Lei passou e foi
aprovado por todas as comissões devidas tanto na Câmara quanto no
Senado.
Adicionalmente,
e talvez o ponto mais importante da lei, é de que os limites nela
definidos estão atrelados aos limites definidos pela Organização
Mundial de Saúde, que é a referência maior para todos os assuntos
de Saúde Pública, e que constantemente monitora as pesquisas
realizadas em todo mundo atualizando, quando necessário e
pertinente, estes valores - como aconteceu com os limites de campos
magnéticos para a frequência de 60 Hz em 2010.
Falando
em particular do Setor Elétrico, a lei, além de definir limites que
têm de ser obedecidos nas instalações das empresas do Setor, fez
com que as empresas empreendessem campanhas para verificação dos
níveis de campos elétricos e magnéticos em todas as suas
instalações - estes valores estão à disposição da sociedade
no site da ANEEL - enquanto que para as novas instalações é
obrigatório apresentar previamente o cálculo desses valores e a
verificação quando de entrada em operação. A lei ainda permite
que qualquer pessoa questione, a qualquer tempo, as empresas do setor
sobre valores de campos elétrico e magnético de suas instalações.
Nesse sentido a Lei deu amplas garantias e proteção aos cidadãos.
COMSO - Nem todos
os estados, como é o caso de Santa Catarina, dispõem de uma
legislação própria especificando esses limites. Na sua opinião
seria necessário uma regulamentação de âmbito estadual também?
Por quê?
Luís Adriano M. C.
Domingues - A prerrogativa de
estados e municípios no estabelecimento de regras de licenciamento
ambiental no espírito de legislação concorrente é inquestionável.
Apenas ressalvo que, na questão específica de proteção à saúde,
não vejo sentido em adotar regras diferenciadas, uma vez que há uma
legislação específica, baseada em recomendações da Organização
Mundial da Saúde. Isto porque uma regra mais restritiva poderá
impor custos muito elevados aos consumidores, sem contrapartida de
qualquer benefício mensurável à saúde dos moradores.
Em
diversos países há regras municipais que impõem a ocultação dos
sistemas de distribuição de energia - muitas vezes por enterramento
- mas há clareza que a motivação é urbanística, paisagística,
incentivo ao turismo, etc, não por suposto benefício à saúde.
Desta forma, inclusive, os custos desse processo podem ser
adequadamente atribuídos.
COMSO - Que
modelo de licenciamento ambiental e urbanístico é aconselhável
para o setor de energia elétrica e de telefonia móvel?
Luís Adriano M. C.
Domingues - Não sendo
especialista nesse assunto, entendo que o modelo atual pratica o
licenciamento de forma fracionada, empreendimento a empreendimento.
Desta forma não fica claro o efeito do conjunto de empreendimentos e
instalações que, de forma conjunta, podem ter um resultado muito
diverso do que foi analisado nos processos separados. Na questão de
exposição a ondas eletromagnéticas uma questão que vem sendo
discutida por cientistas e reguladores é a necessidade de considerar
o efeito sinérgico das múltiplas fontes de campos elétricos e
magnéticos - dezenas e até centenas - presentes na vida cotidiana.
Esta é, contudo, uma questão que ainda não tem um caminho claro de
ação a tomar.
COMSO - Qual a
importância do debate sobre os "Impactos Socioambientais da
Poluição Eletromagnética para a sociedade?"
Luís Adriano M. C.
Domingues - Como cidadão,
entendo que todos os debates em que há questionamentos,
esclarecimentos, confronto de ideias em assuntos de interesse da
sociedade são positivos e desejáveis. A iniciativa, portanto, é
altamente elogiável. Profissionalmente, como pesquisador, tenho a
experiência que esses debates ajudam muito o setor de pesquisa, ao
colocar prioridade nos temas e demandar mais estudos e aprofundamento
do conhecimento. |
Paulo
Roney Ávila Fagundez é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisador do
Centro de Estudos Jurídicos, Econômicos e Ambientais da
Universidade de Lusíadas de Lisboa, Portugal. É, ainda, autor do
livro "Direito e Holísmo" e "Direito e Hipercomplexidade'' e
relator da proposta de resolução de licenciamento ambiental de
empreendimentos de telecomunicações e energia da Câmara Técnica
de Análise dos Impactos Ambientais da Poluição Eletromagnética
(CTIPE) do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA).
COMSO - Na sua opinião a Lei federal n.
11.934, de 5 de maio de 2009, é suficiente para regulamentar os
limites de exposição à Radiação Não Ionizante (RNI) produzida
por estações de rádio, televisão, telefones celulares,
micro-ondas, controle remoto, entre outros? Por quê?
Paulo Roney Avila
Fagundez - A Lei Federal n. 11.934/09 estabeleceu que serão
adotados os limites recomendados pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) para a exposição ocupacional e da população em geral aos
campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos gerados por
estações transmissoras de radiocomunicação, por terminais de
usuário e por sistemas de energia elétrica que operam na faixa até
300 GHz. A OMS, por sua vez,
leva em conta a recomendação da "Comissão Internacional de
Proteção contra Radiação Não Ionizante" - ICNIRP.
Ocorre que a ICNIRP só
estabeleceu limite para exposição de curto prazo, vale dizer, de 30
minutos, à radiação eletromagnética. Não leva em conta a
exposição prolongada das pessoas que residem no entorno de linhas
de transmissão de energia elétrica e antenas de telecomunicações,
por exemplo. Ou seja, continua presente a lacuna legislativa no que
diz respeito a uma recomendação de segurança para a exposição
prolongada aos campos eletromagnéticos.
Por esse motivo, os
limites atuais estabelecidos pela lei n. 11.934/09 são insuficientes
para proteger a população dos riscos potenciais à saúde
decorrentes dos eventos físico-químicos no organismo provocados
pelos campos eletromagnéticos. Ademais, há vários estudos no
exterior e no país que evidenciam riscos à saúde decorrentes da
proximidade das antenas, subestações, redes de alta tensão e
estações rádio base de telefonia celular.
COMSO - Nem
todos os estados, como é o caso de Santa Catarina, dispõem de uma
legislação própria especificando esses limites. Na sua opinião
seria necessária uma regulamentação de âmbito estadual também?
Por quê?
Paulo Roney Avila
Fagundez - Mostra-se latente a necessidade de regular a
instalação de redes de transmissão, subestações, estações
rádio base de telefonia celular e antenas de telecomunicações, a
fim de estabelecer limites que minimizem a exposição a campos
eletromagnéticos. Enquanto não se
regulamenta a matéria de forma apta a garantir a segurança da
população no âmbito federal, urge a necessidade do Estado de Santa
Catarina regulamentar a matéria de forma a regular o uso dos espaços
urbanos e proteger a sua população da exposição a campos
eletromagnéticos que lhes causam riscos potenciais à saúde, que
vão desde imperfeições reprodutivas, desenvolvimento de diversos
tipos de câncer, até doenças cardiovasculares e
neurodegenerativas.
Sabe-se que a energia
elétrica é necessária ao desenvolvimento da indústria e,
consequentemente à geração de receita. Se o Estado cuidasse da
regulamentação da matéria de forma a privilegiar o desenvolvimento
sustentável seriam evitados diversos litígios que tramitam na
Justiça e atrasam a execução da construção de novas linhas de
transmissão. Infelizmente, a preocupação da concessionária é
construir ao menor custo, sem se preocupar com os riscos à saúde, à
integridade física e ao patrimônio das comunidades afetadas.
Atualmente existe
tecnologia suficiente para minimizar os impactos ambientais e sociais
gerados por esse tipo de empreendimento. Está na hora do nosso
Estado exigir que as novas linhas de transmissão sejam construídas
subterrâneas e as subestações blindadas, assim como estabelecer
prazo para que os equipamentos já em operação sejam adaptados a
esse padrão.
COMSO - Que
modelo de licenciamento ambiental e urbanístico é aconselhável
para o setor de energia elétrica e de telefonia móvel?
Paulo Roney Avila
Fagundez - Por tratar-se de atividade potencialmente causadora de
significativo impacto ambiental, mostra-se imprescindível a
realização de EIA/RIMA - Estudo de Impacto Ambiental e Relatório
de Impacto Ambiental, para subsidiar o licenciamento ambiental desses
empreendimentos. Não obstante, para
fins de concessão de licença urbanística, também é
imprescindível a realização de estudo prévio de impacto de
vizinhança, eis que são obras que causam grande impacto na vida das
pessoas, causando a desvalorização imobiliária e afetando o meio
ambiente urbano.
COMSO - Qual a
importância do debate sobre os Impactos Socioambientais da Poluição
Eletromagnética para a sociedade?
Paulo Roney Avila
Fagundez - A maior importância diz respeito à informação. A
população é exposta a uma série de riscos sem conhecer as
consequências. As empresas de energia elétrica e telefonia móvel
instalam seus equipamentos em áreas densamente povoadas sem informar
a população dos riscos decorrentes da poluição eletromagnética. Os professores Elza
Antônia P.C. Boiteux e Fernando N. Boiteux, na obra Poluição
Eletromagnética e Meio Ambiente: O Princípio da Precaução. Porto
Alegre: Ed. Sergio Antônio Fabris, 2008, p. 42/43, enumeram diversas
doenças que estão estatisticamente relacionadas com a radiação
eletromagnética:
1 - Leucemia em adultos
e crianças; 2 - câncer de cérebro
em adultos e crianças; 3 - câncer de mamas em
homens e mulheres; 4 - agente
carcinogênico para todas as espécies de câncer; 5 - aborto espontâneo; 6 - outras disfunções
de reprodução ou do desenvolvimento; 7 - esclerose lateral
amiotrófica; 8 - mal de Alzheimer; 9 - infarto agudo do
miocárdio; 10 - suicídio; 11 - outras
consequências nocivas à saúde, como depressão e sensibilidade à
eletricidade.
Somente com informação
é possível a busca da aplicação do Princípio da Precaução, que
estabelece que, havendo incertezas acerca das consequências da
atividade, deve-se decidir favoravelmente às pessoas expostas e ao
meio ambiente. |
Ana
Maria Moreira Marchesan é Promotora de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul
(MPRS) com atuação na Promotoria Especializada do Meio Ambiente de
Porto Alegre. Mestre em Direito Ambiental e Biodireito pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É, ainda, coautora do
livro "Direito Ambiental, Série Concursos" e autora do livro "A
Tutela do Patrimônio Cultural sob o Enfoque do Direito Ambiental."
COMSO - Na sua opinião a Lei federal n.
11.934, de 5 de maio de 2009, é suficiente para regulamentar os
limites de exposição à Radiação Não Ionizante (RNI) produzida
por estações de rádio, televisão, telefones celulares,
micro-ondas, controle remoto, entre outros? Por quê?
Ana Maria Moreira
Marchesan - Não. Em primeiro lugar, a Lei adota como limite
máximo de potência irradiada os valores definidos pelo ICNIRP
(parág. único do art. 4º). Esse critério, segundo especialistas,
não é suficientemente protetivo, porque desconsidera os efeitos de
longa duração. A norma Suíça define
o limite de potência como sendo 4 Volts/metro, o que significa dizer
que é 10 vezes menor que o limite estabelecido pelo ICNIRP.
Atualmente, Porto Alegre regra a matéria e define esse limite mais
protetivo.
Além disso, a Lei
Federal em questão não obriga que se faça o licenciamento
ambiental das estações de rádio base, omitindo-se nesse aspecto. A
licença da ANATEL é meramente cartorária e não avalia o entorno
da ERB. Como a atividade é "potencialmente poluidora" deve
se submeter a licenciamento ambiental, em cujo contexto não se faz
necessário EIA/RIMA (instrumento que me parece inadequado para esse
tipo de atividade). O licenciamento deve ser instruído com estudos
radiométricos e com mapas que demonstrem o local da estação e seu
espectro de irradiação e de efeitos paisagísticos e urbanísticos.
COMSO - Nem
todos os estados, como é o caso de Santa Catarina, dispõem de uma
legislação própria especificando esses limites. Na sua opinião
seria necessário uma regulamentação de âmbito estadual também?
Por quê?
Ana Maria Moreira
Marchesan - Considero interessante que os estados definam limites
de potência irradiada mais restritivos que o estabelecido na
legislação federal, muito permissivo.
A questão é polêmica
pois há quem entenda que somente a União pode legislar sobre
telecomunicações. Entretanto, a meu juízo, o tema é
interdisciplinar, envolvendo aspectos ambientais, sanitários e
urbanísticos, matérias em que os demais entes podem legislar.
Outro aspecto que me
parece propiciar um espaço para o Estado legislar é a definição
da atividade como potencialmente poluidora. Assim, a lei estadual
poderia traçar o procedimento do licenciamento ambiental da
atividade. Aos municípios, compete com primazia a definição dos
padrões urbanísticos e paisagísticos.
COMSO - Que
modelo de licenciamento ambiental e urbanístico é aconselhável
para o setor de energia elétrica e de telefonia móvel?
Ana Maria Moreira
Marchesan - Um modelo descentralizado e que consiga casar as
licenças da ANATEL com as questões sanitárias, paisagísticas e
urbanísticas. Se já implantado o licenciamento ambiental municipal,
não vejo óbice a que o município assuma essa competência
material. Caso não ostente ele estrutura para isso, deve o órgão
ambiental estadual responsabilizar-se por esse licenciamento.
COMSO - Qual a
importância do debate sobre os Impactos Socioambientais da Poluição
Eletromagnética para a sociedade?
Ana Maria Moreira
Marchesan - O assunto é muito importante para que a sociedade
seja informada de que essas atividades geradores da poluição
eletromagnética, em que pese nos encantarem por suas facilidades e
utilidades, não são completamente inofensivas. Geram as radiações
não-ionizantes cujos efeitos não térmicos e de longa duração são
estudados por vários especialistas ao redor do mundo e apontados
como nocivos. |
Renato
Marcos Endrizzi Sabbatini é graduado e Doutor em Ciências Biomédicas pela Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). É,
ainda, fundador e Presidente do Instituto Edumed, onde coordena
pesquisa sobre sistema de telecomunicação por radiofrequência e
saúde humana, e fundador e coordenador do Grupo Latinoamericano de
Experts em Campos Eletromagnéticos de Radiofrequência e Saúde.
COMSO - Na sua opinião
a Lei federal n. 11.934, de 5 de maio de 2009, é suficiente para
regulamentar os limites de exposição à Radiação Não Ionizante
(RNI) produzida por estações de rádio, televisão, telefones
celulares, micro-ondas, controle remoto, entre outros? Por quê?
Renato M.E. Sabbatini -
Sim, é suficiente. Foi debatida extensamente pelo
Legislativo Federal, com participação de todos os setores da
sociedade, representa um consenso que contempla o interesse de todos,
inclusive o da saúde da população, e é baseada nas normas
internacionais de segurança e limites de exposição (ICNIRP e OMS),
que são fundamentadas em evidências científicas atuais. Assim, o
Brasil alinha-se com mais de 40 outros países que seguiram a mesma
orientação para adotar as normas internacionais.
COMSO - Nem todos
os estados, como é o caso de Santa Catarina, dispõem de uma
legislação própria especificando esses limites. Na sua opinião
seria necessário uma regulamentação de âmbito estadual também?
Por quê?
Renato M.E. Sabbatini -Como a Lei Federal é uma lei maior, e como essa lei
especificamente regula um tema que se aplica uniformemente a todo o
território nacional, contemplando todas as situações possíveis,
não somente não é necessário os estados e municípios editarem
leis em seu âmbito, como é altamente indesejável, por gerar
insegurança jurídica para as operadoras, os fabricantes de
equipamentos, e até as esferas de governo.
COMSO - Que modelo
de licenciamento ambiental e urbanístico é aconselhável para o
setor de energia elétrica e de telefonia móvel?
Renato M.E. Sabbatini -
O licenciamento ambiental e urbanístico é prerrogativa
dos municípios, que têm liberdade para defini-los de acordo com
suas características próprias (uma estância turística, por
exemplo, ou uma área de preservação ambiental). O que não pode é
restringir a instalação de torres ou limitar a divulgação e venda
de telefones celulares, usando argumentos de danos à saúde,
distância mínima, etc., pois estas são definidas na lei federal
maior.
COMSO - Qual a
importância do debate sobre os Impactos
Socioambientais da Poluição Eletromagnética para
a sociedade?
Renato M.E. Sabbatini -Acho que a evidência científica atual é bastante
incisiva quanto à ausência de danos quando os campos
eletromagnéticos não ionizantes cumulativos não excedem os limites
de exposição adotados pelo Brasil em lugares onde existe vivência
de seres humanos permanentemente, ou para proteção contra danos
ocupacionais dos trabalhadores da área. O debate só passaria a ter
nova importância, a meu ver, se surgissem fatos científicos novos,
ou novas tecnologias ainda não provadas passassem a ser utilizadas.
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