A pena de um homem condenado por 10 tentativas de homicídio pelo Tribunal do Júri da comarca de São Joaquim foi aumentada de 18 anos e sete meses para 160 anos de reclusão, em regime inicial fechado. A majoração ocorreu após o MPSC, em apelação contra a sentença, discordar da dosimetria (cálculo) da pena feita pelo Juízo de primeiro grau.

No recurso de apelação, provido por maioria da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), a Promotora de Justiça Candida Antunes Ferreira sustentou que a pena aplicada pelo Juiz-presidente do Tribunal do Júri da comarca mostrou-se contrária à lei expressa e à decisão dos jurados e, por isso, deveria ser reformulada.

Conforme requerido pelo Ministério Público, Sebastião Rodrigues foi condenado pelo Tribunal do Júri por quatro tentativas de homicídio doloso (quando se tem a intenção de matar) e seis tentativas de homicídio com dolo eventual (quando não se tem intenção, mas se assume o risco de matar).

Os crimes ocorreram em dezembro de 2015 em Bom Jardim da Serra. Uma briga envolvendo a irmã do réu com uma das vítimas motivou que este colocasse fogo embaixo da casa onde morava um casal e dois filhos - um de quatro anos e outro de cinco meses de idade.

O estalar da madeira queimando acordou a família, possibilitando que saíssem da casa antes que esta fosse completamente consumida pelo fogo. Os gritos e o choro das crianças chamaram atenção dos moradores de duas casas vizinhas - cinco adultos e uma criança de três anos de idade -, que também conseguiram sair de suas residências antes que estas queimassem totalmente. Sebastião ficou nas proximidades, acompanhando tudo.

Ao aplicar a pena, o magistrado apontou seis circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, que aumentariam a pena: culpabilidade intensa; presença de maus antecedentes criminais; conduta social inadequada; motivo; circunstâncias do crime (de madrugada, enquanto as vítimas dormiam); e consequências (além do dano material, representado pela destruição em chamas de duas residências, danos psicológicos às vítimas).

De acordo com a Promotora de Justiça, a pena-base (12 anos, o mínimo previsto para o crime de homicídio) deveria ter sido majorada em 1/6 para cada uma das circunstâncias, o que a dobraria. Porém, na dosimetria da pena, o Juízo de primeiro grau considerou-as em conjunto, aumentando-a em apenas 1/6, o que resultou na pena-base de 14 anos de prisão para cada crime, em vez dos 24 anos calculados pelo MPSC (que, em suas razões recursais, reafirmou a presença das seis circunstâncias judiciais desfavoráveis).

O Ministério Público também questionou a redução da pena de homicídio por ter sido na modalidade tentada (o Código Penal prevê a redução de 1/3 a 2/3 quando o crime não é consumado). O magistrado, ao proferir a sentença, reduziu a pena pela metade (para seis anos e seis meses de reclusão para cada um dos crimes), enquanto, no entender da Promotora de Justiça, deveria ter sido reduzida pelo patamar mínimo de 1/3, que aplicados sobre os 24 anos iniciais resultariam em 16 anos para cada uma das 10 tentativas de homicídio.

Soma das penas

A Promotora de Justiça sustentou, ainda. que não foi utilizado o concurso de crimes adequado ao caso concreto para a dosimetria da pena. O Juízo da comarca dividiu os crimes em dois "blocos": um contendo quatro crimes perpetrados com dolo direto (nos quais o agente quis o resultado); e outro contendo seis crimes em que o acusado atuou com dolo eventual (nos quais o agente assumiu o risco de produzir o resultado). Em sequência, aplicou concurso formal perfeito ¿ que ocorre quando o agente pratica dois ou mais crimes, mediante uma só ação ou omissão ¿ entre os crimes do primeiro bloco e mesmo critério entre os crimes do segundo, chegando-se à pena final pela soma do resultado das penas dos dois blocos.

No caso dos quatro homicídios dolosos, o magistrado aplicou uma delas aumentada em 1/3, em razão do número de crimes, totalizando oito anos e 10 meses de prisão. Já para os seis homicídios com dolo eventual foi utilizada a pena de um deles aumentada em 1/2, totalizando nove anos e nove meses de reclusão. Somadas, chegou-se aos 18 anos e sete meses de reclusão da sentença.

No apelo, provido por maioria da Quarta Câmara Criminal do TJSC, o MPSC destacou a presença de concurso formal imperfeito de crimes - que resulta no cúmulo das penas pela existência de vontades diversas de praticar cada um dos resultados, mesmo com uma só conduta -, ressaltando: "Em que pese os distintos graus de dolo, mostra-se indiferente para fins de concurso de crimes o fato de o acusado ter agido com dolo direto em relação a alguns crimes e dolo eventual em outros, pois, no fim, atuou sempre dolosamente, ou seja, com vontades diversas, com desígnios autônomos. Logo, o caso é de cúmulo material de penas. Diferença somente existiria no caso de crime culposo em que o resultado aberrante advém de negligência, imprudência ou imperícia, de maneira que não há desejo, tampouco é assumido o risco do resultado, ou seja, inexiste desígnios autônomos".

Assim, as penas dos 10 homicídios devem ser simplesmente somadas, conforme prevê o Código Penal, totalizando os 160 anos de reclusão, entendimento este compartilhado pela maioria da Quarta Câmara Criminal do TJSC. A decisão é passível de recurso. (Apelação n. 0001892.81.2015.8.24.0063)